Os gritos que rasgaram a madrugada do dia 21 de dezembro do ano passado não acordaram somente os cães, tão comuns em regiões de periferia. Naquele sábado, uma comunidade da região oeste de Santa Maria amanheceu sob o impacto de um assassinato brutal. Poucas horas após deixar a cadeia em liberdade condicional, Ismael Vais da Silva, 22 anos, teve parte da perna direita arrancada e, depois, foi assassinado a facadas. Sua cabeça foi encontrada cinco dias depois, próxima a um matagal.
O som de desespero do jovem nem um pouco se parecia com a caminhada silenciosa das 34 famílias que deu início ao que, em pouco mais de duas décadas, transformou-se em uma das maiores ocupações urbanas da América Latina. Porém, assim como na madrugada de 7 de dezembro de 1991, novamente as atenções se voltaram ao local que, em 2006, recebeu oficialmente o título de bairro Nova Santa Marta.
Mas como uma ocupação, inicialmente organizada, feita por pessoas que sofriam com o déficit habitacional, acabou ocupando o triste status de "uma das regiões mais violentas da cidade"? A resposta é unânime. Apesar de usarem linhas de raciocínio diferentes para explicá-la, moradores, líderes comunitários, polícia e pesquisadores sobre violência urbana chegam à mesma conclusão e são categóricos em afirmar: a violência que assusta e afeta a rotina das cerca de 26 mil pessoas que residem no bairro é um reflexo do abandono do Estado.
Em 23 anos de ocupação, o local cresceu desordenadamente, contou com pouquíssimos investimentos em infraestrutura, não viu sair do papel a tão sonhada regularização fundiária e, o pior de tudo, sofre com a falta de segurança. O sopro de uma vida melhor veio em 2007, com a conquista de R$ 42 milhões, que seriam destinados à comunidade por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Porém, o tempo passou, os projetos não avançaram, e a esperança se transformou em frustração. Em um contexto desses, parece mesmo difícil que a comunidade tivesse como conseguir se desenvolver em paz.
As vidas roubadas pelo envolvimento com crimes
Silva foi a 36ª pessoa assassinada em 2013 em Santa Maria. Assim como ele, outras seis pessoas foram mortas no bairro ao longo do ano, que terminou com uma marca histórica no município ao registrar 40 homicídios, um recorde da última década. Apenas em 2009 e 2012, a cidade chegou à marca de 39 assassinatos.
A onda de mortes ascendeu o alerta e resultou em medidas emergenciais. A Brigada Militar intensificou o policiamento na Zona Oeste e realizou diversas operações a fim de retirar armas e foragidos da Justiça de circulação. Apesar do esforço integrado entre as forças de segurança, 2014 já soma sete assassinatos (até sexta-feira), sendo que três deles aconteceram na Nova Santa Marta. Isso representa 42,8% dos crimes contra a vida registrado nos primeiros 30 dias do ano.
A exemplo do ano passado, conforme a polícia, o fator desencadeador da grande maioria das mortes continua sendo o tráfico de drogas e a relação com o sistema prisional - as vítimas ou estavam no regime aberto e semiaberto ou em liberdade condicional.
- Acredito que esses assassinatos acontecem quando os presos saem da cadeia e resolvem ajustar contas com pessoas com quem têm rixas antigas. Os moradores comentam que, antes de sair da prisão, o menino aquele que teve a cabeça arrancada (Silva) comentou com os colegas de cela que "estava com a cabeça a prêmio" - revela uma moradora.
As razões para não falar
Como medir o valor de uma vida para um familiar que teve seu filho assassinado é impossível, algumas atitudes acabaram se tornando parte do cotidiano de moradores de determinadas regiões e uma das mais presentes é o silêncio. De acordo com a cientista social Suelen Aires Gonçalves, que é pesquisadora sobre violência urbana e segurança pública e estuda a criminalidade na Nova Santa Marta, bairro onde mora há mais de 20 anos, uma carac"